REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA: “Pobreza, analfabetismo e falta de justiça” são as causas do conflito no país, afirma Bispo de Bossangoa

Não há uma guerra entre muçulmanos e cristãos na República Centro-Africana, como muitas vezes aparece na Comunicação Social. Há sim, uma crise violenta que é o resultado da exploração desenfreada dos recursos económicos do país, nomeadamente os diamantes e ouro.

Quem o afirma é o Bispo de Bossangoa, D. Nestor Nongo-Aziagba, em declarações à Fundação AIS em Washington, durante a recente cimeira nos Estados Unidos sobre a liberdade religiosa no mundo.

Falar-se num choque entre religiões na República Centro-Africana, entre o islamismo e o cristianismo, “é uma distracção, um desvio do verdadeiro problema da pobreza, analfabetismo e falta de justiça”, afirmou o prelado.

A existência de numerosos grupos armados é a prova, acrescenta ainda o Bispo de Bossangoa, de que este país africano atravessa, isso sim, uma grave crise política com a falência do Estado.

A República Centro-Africana vive, recorde-se, uma terrível onda de violência desde 2013, com grupos armados muçulmanos, os Séléka, a espalharem a violência contra as populações civis, o que deu origem à criação de grupos de auto-defesa, conhecidos localmente como os “anti-Balaka”.

É neste pano de fundo que se têm repetido as denúncias por parte de elementos da Igreja Católica de que o país está a saque e que a violência de grupos armados deve ser vista nesta perspectiva.

As denúncias da Igreja são constantes. No final do passado mês de Junho, os Bispos, reunidos em sessão plenária, expressaram uma vez mais a preocupação pela situação caótica que se está a verificar no país.

Dizendo que “o povo está cansado da hipocrisia” que caracteriza a assinatura dos vários acordos [de paz] que se realizaram” até à actualidade, os prelados apontaram o dedo aos grupos armados que dominam “a vida sociopolítica dos centro-africanos”.

De facto, desde o eclodir da crise neste país, em 2013, já foram assinados pelo menos oito acordos principais entre o governo e milícias armadas.

No documento divulgado pelos Bispos em Junho pede-se ajuda à comunidade internacional para que os acordos de paz não se transformem em letra morta e para que “que os autores dos crimes sejam presos e levados à justiça”.

A situação no país é mesmo muito grave. Classificado como um dos mais pobres países do mundo, a República Centro-Africana transformou-se num campo aberto de batalha pela posse dos imensos recursos naturais, como é o caso dos diamantes, ouro ou até do gado.

Agora, no rescaldo do encontro em Washington, D. Nestor Nongo-Aziagba fez, em declarações à Fundação AIS, acusações directas aos grupos armados, nomeadamente os Séléka de estarem envolvidos no saque das riquezas do país e de ligações a países estrangeiros. “São rebeldes que estão aqui para explorar o país, não para converter a população”, diz o Bispo Nongo, acrescentando que “essas milícias estão a prejudicar tanto os cristãos quanto os muçulmanos”.

O prelado assegura que mais de dois terços das milícias são formados por mercenários muçulmanos do Chade, Níger, Camarões e outros países com o objectivo de saquearem a riqueza mineral da República Centro-Africana, sendo que cerca de 80 % do país é controlado por grupos rebeldes. Perante esta realidade, o Bispo de Bossangoa deixa uma pergunta: “Onde está a soberania do nosso Estado?”

O missionário italiano Aurelio Gazzera é outra das vozes que mais se têm erguido na defesa da República Centro-Africana. Este carmelita descalço vive no país há mais de duas décadas e meia e tem denunciado o saque constante dos recursos naturais por parte de países com interesses estratégicos nesta região de África, como é o caso da China, e da Rússia, mas também dos Estados Unidos, França, Sudão e Chade.

“Sofremos um neocolonialismo selvagem”, denunciou este sacerdote em Julho ao jornal espanhol Alfa&Omega. “Eles exploram os nossos recursos naturais e deixam um grande desastre ecológico”, diz, acrescentado que tudo isto acontece perante a “passividade do governo que está a vender o país às empresas estrangeiras que, além do mais, ainda protege”.

O Padre Gazzera tem documentado esta agressão patrimonial na sua página na Internet, especialmente em Bozoum, onde vive, no nordeste do país, região particularmente rica em jazidas de ouro.

O saque destes recursos naturais está a implicar também graves danos a nível ambiental. Segundo tem denunciado o Padre Gazzera, o curso de um rio já foi alterado, tem havido a utilização de mercúrio para a extração menos dispendiosa do ouro, e há registo da contaminação dos recursos hídricos e a destruição também da fauna.

Por causa das suas denúncias, as autoridades já chegaram inclusivamente a deter o Padre Aurelio Gazzera durante algumas horas em 27 de Abril, confiscando a sua máquina fotográfica e telefone.

A situação no país é crítica e ninguém parece escapar à onda de violência. Nem mesmo a Igreja. Ainda recentemente a Fundação AIS denunciava o assassinato de uma missionária espanhola na aldeia de Nola, pertencente à diocese de Berberati. A religiosa, Inés Nieves Sancho, de 77 anos, foi decapitada a 21 de Maio, acreditando as autoridades que o ataque à irmã possa estar relacionado com o tráfico de órgãos humanos.

A missionária espanhola pertencia à congregação das Filhas de Jesus de Massac e trabalhava na República Centro-Africana há quase três décadas. O Papa Francisco fez questão horas depois de conhecido o assassinato de Inés Sancho de “lembrar a memória”, da religiosa, explicando que ela era “educadora de meninas pobres desde há dezenas de anos” e foi “morta de forma bárbara na República Centro-Africana, precisamente no local onde ensinava costura a jovens meninas, uma mulher que deu a vida por Jesus ao serviço dos pobres”.


Departamento de Informação da Fundação AIS | ACN Portugal



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